04 abril 2009

Ela

pega um lápis e decide desenhar.
traça algumas idéias fracas.
se revolta e cauca o lápis no papel.
insiste nas linhazinhas. que mania.
faz cinco anos que age assim:
vai ao banheiro, arrepia o cabelo e passa um batom vermelho.
dizem que é desorientada, a coitada.
anda na rua pulando as divisões da calçada.
gosta de rosnar pros passantes.
eles dão risada. com sorte não voltarão a encontrar aquela maluca na rua.
morre de dor de cabeça aos domingos.
aliás, por ela os domingos deveriam ser extintos.
ninguém é obrigado a sentir angústia.
as vezes ela se joga na sala e fica se esfregando no chão.
gosta do cheiro do taco de madeira velho.
fica debruçada olhando as ranhuras dos tacos.
imagina ser gigante temida pelas formigas e seres miúdos.
o mundo se resume em olhar pro céu e olhar pro chão.
quando acorda em dias de céu, mal consegue conversar.
fica olhando para cima, infiltrando os olhos no ponto mais longínquo que consegue.
vem treinando isso ha muito tempo.
em dias de chão, torna-se uma figura verborrágica.
se encontra um ouvinte, bom.
caso contrário não se importa em falar com seus sapatos.
ontem me disseram que ela está com mania de assoviar.
tem desmaiado bastante por excesso de assovio.
quando perguntam porque ela não pára, responde:
- Gosto de assoviar, assoviar, assoviar até me sentir sem chão, sem céu, até minha vista empretecer. sinto tudo formigar e caio no chão até o cheiro do taco me acordar.

(do "cafofo" da Clá, aí do lado direito)

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