08 junho 2010

África II - Moçambique

"2- Capulanas
Maputo parece interior da Bahia, interior do Piaui, bairro pobre de São
Paulo, Rio, qualquer cidade brasileira.A identificação é imediata.Só que tem
uma diferença.
Então me dei conta : todos eram negros. Em todos os lugares . Brancos são
uma pequena minoria.E foi mesmo como cair de cabeça na imensa
invisibilidade do negro na sociedade brasileira.Racismo entranhado , forte e
viscoso.Completa marginalidade.
Sei que estou repetindo o que se fala, mas estar lá em Moçambique me fez ver
que sim, se deve repetir , repetir, falar e falar. Porque nada ainda mudou.
No Brasil os negros e a maioria da população brasileira são invisíveis.
Não contam, não valem. Simplesmente não existem . São numeros e siglas ,
PIBs, porcentagens.
Só que atrás de cada numerozinho daqueles está uma pessoa , com olhos
brilhantes, boca, mãos, capacidades infinitas, que pensa, que deseja, que
deveria ter condições dignas de vida, que deveria poder escolher e decidir.
Faço aqui uso das palavras do historiador José Murilo de Carvalho :
"Como dizia Joaquim Nabuco, a escravidão brasileira foi infinitamente mais
inteligente do que a norte-americana, na medida em que não respeitou
barreiras raciais. Ela permeava a sociedade de alto a baixo. Nem todos eram
escravos, mas todos podiam ter escravos, até os preoprios escravos. a
abolição não tirou a escravidão das cabeças das pessoas, os novos cidadãos
eram mestiços de senhor e escravos, incapazes de absorver a ideeia de
liberdade civil, aquela que exige a liberdade de todos como garantia da
liberdade de cada um. Ao ex-senhor não interessava a cidadania dos
ex-escravos, estes se viam enredados nas teias deixadas pela astúcia da
escravidnao, com seu paternalismo, seu clientelismo, sua aparente tolerancia
racial. Esses valores e múltiplas hierarquias sociais mantiveram até hoje o negro , e sobretudo, a mulher negra no estrato inferior da sociedade."
Penso em cores . Penso no arco-iris das cores estampadas nas capulanas .
Capulanas são panos que servem para tudo : para amarrar bebê nas costas e
'de banda' - eu também carregava assim meus 3 bebês, as índias me ensinaram igualzinho - serve para virar saia, para coberta para o frio, chale, para enfeitar , ficar bela e colorida .
No ultimo dia de aula, minhas alunas me levaram até o banheiro e me disseram : '- vamos te arrumar, para a professora ficar bonita!' e me vestiram com saias sobrepostas e uma bela capulana amarrada na cabeça ao jeito das
moçambicanas do norte.
E lá fui eu , agora sim, bela aos olhos deles!
Amarelo ouro, vermelho sangue, verde esmeralda, azul turqueza,o negro
onipresente e belo. Faiscante, brilhante, reluzente."

Lia Rodrigues

(ver mais no http://www.liarodrigues.com/page1/page23/page23.html)

Um comentário:

Júlia disse...

entendi a comparação, mesmo (afinal, dizem que luanda é muito parecida com salvador, por exemplo), mas cuidado pra achar que bahia é toda igual - tem sertão, cidade rica, cidade pobre,chapada- cada um de um jeito - e muitos deles, provavelmente, diferentes de maputo.