02 setembro 2009

COMO FAZER CINEMA:

Nas profundezas das cavernas de Lascaux e Font-de-Gaume, nossos "eus" magnalenses já faziam cinema. A dialética de opostos que existiu e existe entre a arte peleolítica e a arte moderna se repete em outro campo: a arte magnalense X cinema. O que importa, no que respeita ao naturalismo pre-histórico não é ser este, ou não, mais antigo do que o estilo geométrico, mas sim o fato de revelar já todas as fases típicas de desenvolvimento por que a arte virá a passar nos tempos posteriores, não constituindo, de modo algum, um fenômeno instintivo, estático e à margem da história como consideram os eruditos obcecados pela arte geométrica e rigorosamente formal.

O cinema é a materialização do maior de todos os desejos do ser-humano: eternizarse não só através da imagem em si, senão que através da imagem-movimento. É dizer, a imagem enquanto não-imagem, enquanto intervalo existente entre uma e outra. O cinema, portanto, não está (e não pode estar) sob a linearidade de seus significantes. Também porque a imagem-movimento está, assim como uma oração, dividida em verbo, substantivo e adjetivo (somado à pulsão). E se nota essa busca por materializar tal desejo desde os homens préhistóricos do periodo magnalense. A história do cinema começa muito antes da chegada do trem dos Lumiére, ou da criação dos bricoleurs de Thomas Edison, Le Prince e LeRoy.

Por que tais homens magnalenses se aventuravam nos fundos das cavernas escuras quando pretendiam pintar? Por que seus desenhos apresentam características de superposição de formas que os tornam tão estranhos e confusos? Nas paredes de Altamira, Lascaux e Font-de-Gaume está a resposta. Imagens gravadas em relevo nas rochas e seus sulcos pintados com cores diferentes. À medida que o observador se locomove nas trevas das cavernas, a luz de sua tênue lanterna ilumina e escurece parte dos desenhos; algumas linhas se sobressaem, suas cores são realçadas pela luz, ao passo que outras desaparecem nas sombras. Vemos determinada configuração do animal representado ser transfigurado em outra, instante por instante. E o intervalo entre uma luz e outra - a sombra - é o que cria a sensação de movimento.

Não é só um velho desejo da humanidade que o cinema realiza, mas também uma série de velhas realidades empíricas e de velhas técnicas de representação que ele perpetua.

E trazendo esse desejo à gênese do cinema propriamente dito:

"Os fanáticos, os maníacos, os pioneiros desinteressados, capazes, como Bernard Palissey, de botar fogo na sua própria casa por alguns segundos de imagens tremeluzentes, não são cientistas ou industriais, mas indivíduos possuídos pela imaginação". (A. Bazin, Qué C'est le Cinéma)

Mário Peixoto contando uma cena de um filme nunca realizado. 
Peixoto só realizou um filme, "Limite", de 1921, que se perdeu na história durante anos, tornando-se um mito da cultura brasileira. 
Até hoje não foi possível restaurar a única cópia que já existiu. 
Foi exibido uma única vez, na época em que foi feito, 
e ficou desaparecido até princípios dos anos 60.

7 comentários:

Lucas disse...

Não sabia que em Lascaux os desenhos eram em progressão. Por que não? Eles deviam se divertir com isso. Tudo como um ócio, uma festa, um ritual. A finalidade é se desenvolver agregando. Não à toa que se visita esses locais.
Vale lembrar que aqui no Brasil, no Piauí, na Serra da Capivara, temos esse tipo de arte também!

Lucas disse...

Quanto ao Mário Peixoto, sei palavras. Limite é sem dúvida a maior obra brasileira, a coisa mais absurda que já vi. Não vejo a hora de revê-lo... parece que tem um instituto dedicado ao Mário Peixoto no Rio... quando for pra lá vou procurar.
Ah, muito legal esse videozinho! Que lucidez!

Octávio disse...

no Brasil, fica na caverna de Altamira (citado na postagem)........... E não são desenhos em progressão, senão que um desenho com sobreposições em relevo, então, quando a luz passa, se revela parte do desenho que não se via e se esconde outro..... Por exemplo: a cabeça de um íbex. Tem o íbex, certo? Daí, se vc ve ele com muita luz bem iluminado ele é um íbex com duas cabeças. Porém, se a luz de um tocha passa por ele, primeiro se ve uma cabeça (olhando pra frente) e, no movimento do andar do observador, ela desaparece e da lugar a outra cabeça (olhando para treas): como se o íbex sentisse a presença do homem (o observador).........

E o instituto que está restaurando Limite é a VideoFilmes. O dono é o Walter Salles, e ele mesmo é o diretor do projeto Mário Peixoto. Tem um segundo filme dele, que foi filmado mas não foi terminado. O Walter também tem o projeto de terminar ele, de acordo com os escritos do próprio Mário, que como vc mesmo disse era muito lúcido e muito claro nas suas idéias. Ele morou praticamente a vida inteira em Ilha Grande, perto de Angra... Mas não na cidade, senão que no outro extremo da ilha, num lugar onde só era possível chegar de barco. Essa filmagem que postei foi gravada no seu quintal.

Naiara Lambert disse...

Adoro o blog de vocês! Tá muito lindão! Beijos a todos!
Naiara =)

Octávio disse...

corrigindo: Altamira é sim, uma região no Estado do Pará, porém a Caverna de Altamira (citado no texto e no meu comentário acima) fica na Espanha..... perdão pela ignorância.....

d scan disse...

legal o vidinho! nunca vi esse tal de "Limite", vou atras... o que é ibex tata?

Octávio disse...

ibex é um animal parecido com os veados... É um animal muito representado nas pinturas desse período da pré-história....